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23 de Abril de 2024

Crime de Estupro de Vulnerável

Publicado por Geovani Santos
há 9 anos

Para a caracterização do crime de estupro de vulnerável previsto no art. 217-A, caput, do Código Penal, basta que o agente tenha conjunção carnal ou pratique qualquer ato libidinoso com pessoa menor de 14 anos; o consentimento da vítima, sua eventual experiência sexual anterior ou a existência de relacionamento amoroso entre o agente e a vítima não afastam a ocorrência do crime. Inicialmente, registre-se que a interpretação jurisprudencial acerca do art. 224, a, do CP

Para a caracterização do crime de estupro de vulnerável previsto no art. 217-A, caput, do Código Penal, basta que o agente tenha conjunção carnal ou pratique qualquer ato libidinoso com pessoa menor de 14 anos; o consentimento da vítima, sua eventual experiência sexual anterior ou a existência de relacionamento amoroso entre o agente e a vítima não afastam a ocorrência do crime.

Inicialmente, registre-se que a interpretação jurisprudencial acerca do art. 224, a, do CP (antes da entrada em vigor da Lei 12.015/2009) já vinha se consolidando no sentido de que respondia por estupro ou por atentado violento ao pudor o agente que mantinha relações sexuais (ou qualquer ato libidinoso) com menor de 14 anos, mesmo sem violência real, e ainda que mediante anuência da vítima (EREsp 1.152.864-SC, Terceira Seção, DJe 1º/4/2014). Com efeito, o fato de alterações legislativas terem sido incorporadas pela Lei 12.015/2009 ao "Título IV - Dos Crimes contra a Dignidade Sexual", especialmente ao "Capítulo II - Dos Crimes Sexuais contra Vulnerável", do CP, estanca, de uma vez por todas, qualquer dúvida quanto à irrelevância, para fins de aperfeiçoamento do tipo penal inscrito no caput do art. 217-A, de eventual consentimento da vítima ao ato libidinoso, de anterior experiência sexual ou da existência de relacionamento amoroso entre ela e o agente. Isso porque, a despeito de parte da doutrina sustentar o entendimento de que ainda se mantém a discussão sobre vulnerabilidade absoluta e vulnerabilidade relativa, o tipo penal do art. 217-A do CP não traz como elementar a expressão "vulnerável".

É certo que o nomem iuris que a Lei 12.015/2009 atribui ao citado preceito legal estipula o termo "estupro de vulnerável". Entretanto, como salientado, a "vulnerabilidade" não integra o preceito primário do tipo. Na verdade, o legislador estabelece três situações distintas em que a vítima poderá se enquadrar em posição de vulnerabilidade, dentre elas: "Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos".

Não cabe, destarte, ao aplicador do direito relativizar esse dado objetivo, com o fim de excluir a tipicidade da conduta. A propósito, há entendimento doutrinário no viés de que: "Hoje, com louvor, visando acabar, de uma vez por todas, com essa discussão, surge em nosso ordenamento jurídico penal, fruto da Lei nº 12.015, de 7 de agosto de 2009, o delito que se convencionou denominar de estupro de vulnerável, justamente para identificar a situação de vulnerabilidade que se encontra a vítima. Agora, não poderão os Tribunais entender de outra forma quando a vítima do ato sexual for alguém menor de 14 (quatorze) anos. [...]. O tipo não está presumindo nada, ou seja, está tão somente proibindo que alguém tenha conjunção carnal ou pratique outro ato libidinoso com menor de 14 STJ - Informativo de Jurisprudência Página 2 de 17 anos, bem como com aqueles mencionados no § 1º do art. 217-A do Código Penal. Como dissemos anteriormente, existe um critério objetivo para análise da figura típica, vale dizer, a idade da vítima".

Dessa forma, não se pode qualificar ou etiquetar comportamento de crianças, de modo a desviar a análise da conduta criminosa ou justificá-la. Expressões como "amadurecimento sexual da adolescente", "experiência sexual pretérita da vítima" ou mesmo a utilização das expressões "criança prostituta" ou "criança sedutora" ainda frequentam o discurso jurisprudencial, como se o reconhecimento de tais circunstâncias, em alguma medida, justificasse os crimes sexuais perpetrados.

Esse posicionamento, todavia, implica a impropriedade de se julgar a vítima da ação delitiva para, a partir daí, julgar-se o agente. Refuta-se, ademais, o frágil argumento de que o desenvolvimento da sociedade e dos costumes possa configurar fator que não permita a subsistência de uma presunção que toma como base a innocentia consilli da vítima.

Basta um rápido exame da história das ideias penais - e, em particular, das opções de política criminal que deram ensejo às sucessivas normatizações do Direito Penal brasileiro - para se constatar que o caminho da "modernidade" é antípoda a essa espécie de proposição.

Deveras, de um Estado ausente e de um Direito Penal indiferente à proteção da dignidade sexual de crianças e adolescentes, evoluiu-se, paulatinamente, para uma Política Social e Criminal de redobrada preocupação com o saudável crescimento físico, mental e afetivo do componente infanto-juvenil de nossa população, preocupação que passou a ser compartilhada entre o Estado, a sociedade e a família, com reflexos na dogmática penal.

Assim é que novas tipificações vieram reforçar a opção do Estado brasileiro - na linha de similar esforço mundial - de combater todo tipo de violência, sobretudo a sexual, contra crianças e adolescentes. É anacrônico, portanto, qualquer discurso que procure considerar a modernidade, a evolução moral dos costumes sociais e o acesso à informação como fatores que se contrapõem à natural tendência civilizatória de proteger certos grupos de pessoas física, biológica, social ou psiquicamente fragilizadas.

Além disso, não há que se falar em aplicação do princípio da adequação social, porquanto no julgamento de caso de estupro de vulnerável deve-se evitar carga de subjetivismo, sob pena de ocorrência de possíveis danos relevantes ao bem jurídico tutelado - o saudável crescimento físico, psíquico e emocional de crianças e adolescentes - que, recorde-se, conta com proteção constitucional e infraconstitucional, não sujeito a relativizações.

Ora, a tentativa de não conferir o necessário relevo à prática de relações sexuais entre casais em que uma das partes (em regra, a mulher) é menor de 14 anos, com respaldo nos costumes sociais ou na tradição local, tem raízes em uma cultura sexista - ainda muito impregnada no âmago da sociedade ocidental, sobretudo em comunidades provincianas, segundo a qual meninas de tenra idade, já informadas dos assuntos da sexualidade, estão aptas a manter relacionamentos duradouros e estáveis (envolvendo, obviamente, a prática sexual), com pessoas adultas.

Ressalta-se, por fim, que praticamente todos os países do mundo repudiam o sexo entre um adulto e um adolescente - e, mais ainda, com uma criança - e tipificam como crime a conduta de praticar atos libidinosos com pessoa ainda incapaz de ter o seu consentimento reconhecido como válido. Precedentes citados:

AgRg nos EDcl no AREsp 191.197-MS, Quinta Turma, DJe 19/12/2014; e AgRg no REsp 1.435.416-SC, Sexta Turma, DJe 3/11/2014. REsp 1.480.881-PI, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Terceira Seção, julgado em 26/8/2015, DJe 10/9/2015.

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4 Comentários

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Bom artigo. continuar lendo

É um problema que se alastra, pois, estamos em uma sociedade em que conta com vários meios, como a mídia, escrita, falada e televisada já desperta a criança e adolescente para atos impróprios e sexuais, as novelas são verdadeiras escolas de libertinagem, por outro lado, uma nova técnica vem avançando os celulares que são usados pelos menores, até mesmo com o consentimento dos pais. continuar lendo

Louvável o artigo, mas ouso descordar!

Por que não aplicar o Princípio da Adequação Social, se o nosso código Penal fora criado em 1940? Será que as Crianças MENORES de 14 anos daquela época, tem o mesmo crescimento físico, psíquico, emocional e "SEXUAL das CRIANÇAS" nos dias de hoje? acho que como as civilizações com seus costumes, e princípios são dinâmicos, o direito caminha para atender e regular as ações e os anseios sociais, de forma cotidiana, não deveria regula-la conforme a 75 anos atrás. Quando será mesmo que a criança deixa de ser criança e passar ser um adolescente? pelo código penal no artigo 217-A, para que NÃO seja punido com uma pena de (8 a 15 anos )o namorado, ficante ou talvez o possível cônjuge(marido), a parte considerada como vítima de tal delito tem que ter completos 14 anos. Se ela estiver com 13 anos e 364 dias de vida, e o suposto autor do crime, MAIOR DE IDADE, já vier mantendo relações sexuais com ela, ou que fosse a primeira relação, for denunciado, estará tipificado o delito do artigo retrocitado. Ele deve ser mesmo considerado como um estuprador que cometeu uma violência Sexual contra aquela, mesmo como o consentimento dela?
Mais um lembrete o Estatuto da Criança e do Adolescente:

Art. 2º Considera-se CRIANÇA, para os efeitos desta Lei, a pessoa até DOZE ANOS de idade incompletos, e ADOLESCENTE aquela entre DOZE E DEZOITO ANOS de idade.

Estupro de vulnerável (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos

Entendo a preocupação do colega com louvor, e também me preocupo. Mas também como advogado tenho compromisso com a justiça. Não há como tipificar algo como a MATURIDADE SEXUAL, muito menos seria justo, penalizar como estuprador, alguém maior que praticou um ato sexual com alguém de 13 anos com o consentimento desta.
seria justo principalmente se ela tivera experiência sexual anterior? ou que havia um relacionamento amoroso com o "suposto Culpado", cujo este poderia até ser o pai dos filhos que a "vitima" possui, formando assim uma possível família? No sentido Literal e na exegese positivista, a interpretação do artigo e as jurisprudência confirmaria que sim, seria justo tal punição.

Mas preocupação do Estado em punir o "suposto criminoso", Não atende a realidade, nem o senso da Justiça. Pois a sexualidade exposta nos dias de hoje (nas novelas, filmes, mini-séries, músicas etc...) reflete na sociedade, ou a própria sociedade inspira a moral e influenciando os padrões midiáticos, culturais e musicais. Por ex: em um baile funk, é notório se ver na dança, nas letras, nas vestimentas, e, ignorar que não existe sexualidade, e que jovens " ADOLESCENTES MENORES DE 14 ANOS" hoje em dia não começam suas vidas sexuais nessa faixa etária, é tapar o sol com a peneira. O que precisa ser analisado de fato nos dias de hoje, é o caso concreto e de forma individual, do que realmente se trata DE CRIANÇA OU ADOLESCENTE, e o que verdadeiramente corresponda uma MATURIDADE SEXUAL. Pois o direito penal não pode intervir ou tipificar comportamentos, em que a haja uma certa aceitabilidade social. continuar lendo